COMPARAÇÕES SOBRE O
FUNCIONALISMO DURKHEIMIANO E ALGUMAS POSSIBILIDADES ACERCA DO SETOR ESCOLAR NO
BRASIL
Prof. Paulo Sergio Teixeira
O eminente
historiador Peter Burke, em sua obra “História e
teoria social”, deixou transparecer preocupação quanto à teoria
funcionalista fundeada por Émile Durkheim, ao se referir a ela como
“perigosa”. Pareceu-me, de certa forma,
um golpe meio baixo, pois Burke não teve a preocupação de explanar na obra o
que o atormentava em relação a essa teoria.
Logo me coloquei a pensar no que consistiria este perigo. Contudo, a partir deste seu trabalho, o que
pude concluir não passou de suposições, pois a afirmação pareceu por demais
superficial.
Pensando essa afirmação, imaginei que o
perigoso da interpretação funcionalista, seria a de que ela, no máximo, poderia
vir a ser um engano ou então, somente uma perda de tempo histórico.
Indo mais fundo, vi que a ideia estaria
talvez fundamentada numa capacidade de o homem se tornar aquilo que queira ser
de modo mais complexo, ou, em outras palavras: “que a consciência coletiva,
formada pelas escolhas de cada indivíduo, seria capaz de orientar toda a
coletividade para se tornar um organismo desta ou daquela forma, o que poderia
traduzir-se no risco de um efeito positivo ou não”.
É certo que o homem
carrega em sua natureza uma propriedade associativa, como já vimos entre os
casos das meninas lobo. A pergunta é:
“estaria ao ser social permitido escolher conscientemente o melhor sistema de
organismo coletivo, ou isso seria uma operação exclusiva da natureza?”.
Observando a complexidade dessa mesma
natureza sensível, podemos concluir sem muita dificuldade, mesmo dentro de uma
condição existencial própria do que nos foi legado, que dispomos de fato, pelo
menos, “da capacidade de fazer escolhas, de escolher caminhos”.
Mas parece coerente supor que a
consciência coletiva pode elevar-se qualitativamente à medida que investirmos
mais no esclarecimento dos indivíduos que formam essas sociedades, e isso sim
aponta realmente para uma evolução social dos homens. É que ao colaborarmos com a elevação de uma
cultura intelectual e emocional dos indivíduos, estaríamos ajudando a
desenvolver um coletivo mais desperto, sobre tudo o que o cerca e sobre si
mesmo e, consequentemente – como defendiam John Dewey, Anysio Teixeira, Paulo
Freire –, seria o fomento a uma sociedade mais livre, comprometida e atuante
também.
Dentro da cômoda interpretação de uma
sociedade polarizada, onde se disputariam os mais aptos e os menos aptos no velho
evolucionismo social de Spencer, aparentemente poderíamos supor que essa mesma
consciência coletiva trabalharia, primeiramente, para uma sociedade de homens
totais como queriam Schopenhouer, Freud, Nietzsche e outros, driblando todas as
convenções que a sociedade criou desde a célula familiar e que extrapolou para
um imenso organismo social que já é, de fato, coeso. Ora, uma sociedade de homens totais, não
traduz em nada a ideia de harmonia, de uma sociedade integrada e coesa, mas a
de homens tão livres, libertinos e inconsequentes, que a mim mais parece a
maior de todas as utopias. Uma sociedade
de mercenários? – quem ou o quê os sustentaria?
Para que isso pudesse se efetivar, teríamos que voltar à barbárie ou a
um tipo de involução, o que é muito menos provável.
Na proposta de Marx, reinterpretada
segundo a visão de Durkheim, a sociedade estaria orientada para uma forte
consciência coletiva, o que determinaria que o organismo social funcionasse, em
seu ápice, de maneira perfeitamente homogênea.
É uma proposta que provavelmente neutralizaria as desigualdades sociais,
mas parece que o trabalho do operário na fábrica daqueles anos, deu a Marx uma
noção equivocada de humanidade, onde a máquina tinha um objetivo, as pessoas
teriam cada qual um objetivo, mas acabariam todos com pouca qualidade de vida
consistente. Isso porque essa imensa
máquina social, enxuta, visando não entrar em colapso, estaria equilibrada a
tal ponto que nada faltaria, nem nada sobraria, mas também, não permitiria aos
membros da sociedade sair do lugar.
Acabaríamos inertes, sem mobilidade social, sem escolhas livres e,
talvez, sem expectativas de expansão.
Na interpretação de Émile Durkheim, a
sociedade estaria dividida por campos funcionais que formariam um grande
sistema de órgãos integrados. Durkheim
aponta para uma sociedade humanizada e coesa por esta possuir e aprimorar
diferentes especializações, o que, para tal, só seria possível com a liberdade
de escolha que cada indivíduo poderia fazer.
Que a força de uma consciência coletiva seria menor, menos coercitiva,
ao passo que o indivíduo, sendo menos influenciado por essa mega-consciência
coletiva doaria, portanto, mais de si à sociedade. Em seus trabalhos, um dos pontos centrais, a
“amálgama social”, sempre esteve focado na “solidariedade” real entre os seres
humanos.
Talvez o temor que
Peter Burke tenha expressado, esteja fundamentado numa visão mais ampla do
funcionalismo, onde seria estabelecida uma espécie de divisão que impossibilitasse
a liberdade do ser social de integrar-se a esta ou àquela funcionalidade por
algum tipo de limitação à mobilidade social.
Por exemplo: que uma pessoa fizesse parte de uma linhagem que o
definiria como operário, sem possuir para sempre a capacidade de ser um
administrador, ou um técnico, ou um intelectual. Na verdade, creio que é mais ou menos por aí
que realmente aquele autor se atemorizou quanto a uma “adoção consciente” que
um sistema funcionalista poderia acarretar, chegando por fim, a uma sistemática
sociedade de castas, ou mais além: de “biocastas”.
Bem, aí vejo quatro questões a se
considerar num primeiro momento:
1.
o
código inato condicional da criança e o código moral adquirido;
2.
as
aptidões desenvolvidas na juventude;
3.
as
preferências livres do indivíduo;
4.
as
facilidades tecnológicas de suporte ao indivíduo adulto;
5.
a
cultura coletiva e o ambiente em que o indivíduo se vê inserido.
Como
professor de pré-adolescentes e adolescentes, o que tenho observado é já uma
predileção pela competição; uma predileção pela concentração; uma predileção
pela comunicação; uma predileção pela descontração etc. – e Gardner começa a
pensar isso muito bem. Pela experiência,
observei também que algumas potencialidades e habilidades podem ser despertadas,
mas que no mundo dessa fase da vida, a convivência pode levar ao hábito, e isso
é um ponto fundamental a ser considerado.
Tal convivência ganha contornos no lar, mas no convívio da escola, que é
o primeiro exercício prático e mais amplo de sociedade e cidadania, os jovens
são capacitados a trocar experiências e formar uma conduta coletiva. Então, o inato e o hábitus têm um peso, o exercício tem um peso e a cultura aberta tem
um peso; tudo isso tem grande peso na conduta e nas escolhas de cada
indivíduo. Mas absolutamente, estamos
certos de que o ser humano, segundo sua capacidade, não está limitado a exercer
suas funções somente a este ou àquele setor específico; antes apto a inserir-se
livremente no setor que mais lhe agradar e que mais se identificar – inclusive,
é isso que esperamos.
Dentro de uma
analogia entre um ser humano e uma célula corporal – muito típica em Durkheim
–, não estaríamos fadados a exercer uma função como uma célula pronta e
específica e pré-destinada deste ou daquele órgão corporal, mas em nossa
infância, como as versáteis células-tronco que têm a capacidade de se
transformar na célula que qualquer parte do corpo (social) necessitar.
O
sucesso da solidariedade orgânica, segundo Durkheim, conta com a liberdade de
escolha dos indivíduos e com um número cada vez maior de especializações para
que esta mesma sociedade se torne viável a cada um.
A
[sociedade mecânica] só é possível na medida em que a personalidade individual
é absorvida na personalidade coletiva; a [sociedade orgânica] só é possível se
cada um tiver uma esfera de ação própria, por conseguinte, uma
personalidade. É necessário, pois, que a
consciência coletiva deixe descoberta uma parte da consciência individual, para
que nela se estabeleçam essas funções especiais que ela não pode regulamentar;
e quanto mais essa região é extensa, mais forte é a coesão que resulta dessa
solidariedade. De fato, de um lado, cada
um depende mais estreitamente da sociedade quanto mais dividido for o trabalho
nela e, de outro, a atividade de cada um é tanto mais pessoal quanto mais for
especializada. Sem dúvida, por mais
circunscrita que seja, ela nunca é completamente original; mesmo no exercício
de nossa profissão, conformamo-nos a usos, a práticas que são comuns a nós e a
toda nossa corporação. Mas, mesmo nesse
caso, o jugo que sofremos é muito menos pesado do que quando a sociedade
inteira pesa sobre nós, e ele proporciona muito mais espaço para o livre jogo
de nossa iniciativa. Aqui, pois, a nossa
individualidade do todo aumenta ao mesmo tempo que a das partes; a sociedade
torna-se mais capaz de se mover em conjunto, ao mesmo tempo em que cada um de
seus elementos tem mais movimentos próprios.
/.../ De fato, cada órgão aí tem
sua fisionomia especial, sua autonomia, e contudo a unidade do organismo é
tanto maior quanto mais acentuada essa individuação das partes. Devido a essa analogia, propomos chamar de
orgânica a solidariedade devida à divisão do trabalho (DURKHEIM, 1999, p.108).
Por este trecho fica claro que Durkheim
identifica dois tipos de organismo social: um que tem forte coerção coletiva
sobre o indivíduo, e a outra que se faz coesa pela ação mais efetiva dos
indivíduos sobre o corpo social. Ele não
nega sua preferência pela segunda via, que estaria mais próximo ao atual
estágio da sociedade, e aponta que a grande vantagem, neste caso, seria
justamente a mobilidade social, a liberdade de escolha sobre uma função e a
possibilidade de atuação integrada dos indivíduos num universo de instituições
ou corporações (os “órgãos sociais”).
Em “Da divisão do trabalho social”,
Durkheim apresenta, através de exames antropológicos colhidos em seu tempo,
conclusões de que a “sociedade mecânica”, como ele a define, ou seja, a
sociedade com baixa energia individual e forte coesão coletiva propiciada pelos
costumes morais, foram por ele reconhecidas como as primeiras sociedades
clâmicas, próximas ao que chegaríamos numa hipotética sociedade comunista
futura. Então, podemos deduzir, segundo
sua visão, que o comunismo não seria um desdobramento natural e progressivo de
nossa sociedade, mas, em se falando de estágios sociais, a forma mais primitiva
de sociedade humana que se conhece e que já teria sido superada.
A criação do “Estado”, seja em meio à sociedade capitalista, seja em
meio ao socialismo, viria mais tarde, como uma criação mais recente, e partindo
dessa observação o cientista compreende a sociedade moderna como um corpo em
que, analogicamente, o Estado ocuparia o lugar central – como um cérebro –
integrado aos outros órgãos ou setores do corpo social.
Faz-se
mister apontar que essa visão do Estado como um cérebro ou campo central, não
significaria compreendê-lo como o órgão mais importante dentre todos os outros
setores, mas tão necessário, dentro de suas funções específicas, como todos os
outros com suas próprias especialidades.
A meu ver
isso é formidável, porque ao se fazer essa comparação somos capazes de
compreender a sociedade democraticamente constituída, muito mais responsável e
engajada dentro de suas especialidades.
Responsáveis e não comandadas por um governo intransigente, mas antes,
tão somente parte constituinte moderadora que só subsistiria dentro dos
consensos democráticos. Sob este prisma,
somos todos livres e o único limite que nos serve de parâmetro, são os
objetivos, interesses e metas de cada setor e do corpo social como um
todo. Vejo realmente como formidável
nessa visão, que o sucesso deste sistema, ainda que em evolução, é a possibilidade
de conscientização franca que cada indivíduo, cada setor funcional e todo o
conjunto poder paulatinamente se aprimorar.
Contudo, o
funcionalismo é, acima de tudo, uma teoria interpretativa, mas nos oferece, ao
menos neste ponto, a possibilidade de escolher por uma sociedade de um coletivo
que não nos possibilite a mobilidade social ou uma que nos garanta agir com
mais liberdade, mas dentro de certos parâmetros estabelecidos no consenso da
própria sociedade.
Émile Durkheim é frequentemente achacado pela alcunha de
“positivista retrógrado”, tradicionalista, reacionário ou coisas do
gênero. Um grande engano! Durkheim foi sim seguidor de August Comte,
que de especializar-se primeiro no estudo das sociedades humanas, acabou por
entrar para a história como o “Pai da Sociologia”. De fato, foi ele mesmo quem a fundou, mas as
rusgas que imperam sobre Comte estão na sua visão polêmica da “doutrina
positivista” – uma espécie de primeiro degrau das ciências do século XX. Também pudera tanta polêmica: Comte, em sua
doutrina, queria estabelecer uma espécie de “Religião das Ciências”, mas isso
não passou de uma febre de algumas décadas e que envolveu grande safra de
cientistas da virada do século.
Durkheim foi mais além, mais profundo; centrou suas preocupações
muito mais naquilo que nos importa: “a interpretação da sociedade humana e suas
possibilidades”. Na minha opinião, Émile
Durkheim foi um autêntico cientista das Humanidades, pois soube equilibrar o
rigor científico com o olhar intuitivo do espírito. Quanto ao seu estigma de positivista
retrógrado lapidado pela maioria dos críticos, afirmo apenas que em suas obras
encontramos soluções muito interessantes que podem e devem ser consideradas no
sentido de aprimorar os estudos àquilo que deve nos servir.
Apesar
dessas colocações, é fundamental apontar a grande crítica sobre o positivismo
durkheimiano na Ecuação. Ela se pauta,
sobretudo, na visão que Durkheim expõe sobre a função da escola para a
sociedade em sua obra “Educação e Sociologia”.
O grande ponto de discóidia pode ser bem traduzido pelo trecho a seguir:
/.../ De fato, este ser social não somente
não se encontra já pronto na constituição primitiva do homem como também não
resulta de um desenvolvimento espontâneo.
Espontaneamente, o homem não
tinha tendência a se submeter a uma autoridade política, respeitar uma
disciplina moral, dedicar-se e sacrificar-se.
A nossa natureza congênita não apresentava nada que nos dispusesse
necessariamente a nos tornarmos servidores de divindades, emblemas simbólicos
da sociedade, a lhes prestarmos culto ou as nos privarmos para honrá-las. Foi a própria sociedade que, à medida que ia
se formando e se consolidando, tirou de seu seio essas grandes forças morais,
diante das quais o homem sentiu a sua inferioridade. Ora, com exceção de tendências vagas e
incertas que podem ser atribuídas à hereditariedade, ao entrar na vida, a
criança traz apenas a sua natureza de indivíduo. Portanto, a cada nova geração, a sociedade se
encontra em presença de uma tabula quase rasa sobre a qual ela deve construir
novamente. É preciso que, pelos meios
mais rápidos, ela substitua o ser egoísta e associal que acaba de nascer por um
outro capaz de levar uma vida moral e social.
Esta é a obra da educação, cuja grandeza podemos reconhecer. /.../
(DURKHEIM, pp.54-55, 2011).
“Inculcar
crianças como meras tábulas rasas” – expressão não infeliz, mas antes típica de
um contexto histórico vivido pelos contemporâneos de Durkheim. Muito mais importante do que resumir todo o
trabalho do cientista a uma frase que sintetize, supostamente, todo o seu
pensar, é conferir acima de tudo dois pontos: 1. Que para além de frases
conclusivas, todo seu trabalho é repleto e profundo, chegando a nos espantar
tamanha percepção no que diz respeito à interpretação da sociedade humana; 2.
Que suas interpretações não são dogmáticas e que primeiramente são
interpretativas, inclusive sugeridas muitas vezes pelo autor como passíveis de
mudança, visto que um dos pontos sempre apontados por Durkheim, são as diferenças
de época: fases históricas; fases na vida dos indivíduos; fases sociais
etc. Para Durkheim, a sociedade humana
está em permanente transformação.
Bárbara
Freitag, em sua tese de doutoramento em Política Educacional Brasileira, de
1972 – que resultou no excelente trabalho “Escola, Estado e Sociedade” –, nos
propõe uma visão de superação da educação positivista, denunciando Durkheim e
Parsons como defensores de uma sociedade que preserva as diferenças de classes
em sua concepção. Ela instiga, a partir
daí, uma compreensão das políticas educacionais baseada nos princípios do
“conflito” como forma de superação das diferenças sociais. Assim, a Dra. Bárbara não entende como
princípio essencial para a educação, uma base moral estática que mantenha os
valores sociais na permanência, na reprodução de suas normas, mas defende que a
escola tem um papel transformador e superador do status quo que determina a distância entre dominadores e dominados. B. Freitag foi grande crítica do
conservadorismo na escola propagada por Durkheim.
Comparando
Émile Durkheim, Parsons (funcionalistas), Dewey (democrata, progressista,
pragmático), Gramsci (marxista), Passeron, Bourdieu (estruturalistas),
Althusser, Poulantzas, Establet (marxistas estruturalistas), escolas reacionárias
da economia da educação e seus críticos, entre outros, Freitag torna-se uma
referência fundamental ao entendimento de nossos processos
histórico-pedagógicos, pois traz, a partir de novas interpretações e
comparações, uma visão muito clara sobre as forças que delinearam as políticas
da educação nacional no decorrer dos anos 1970 até a efetivação deste seu
trabalho, já nos anos 1980.
Realmente,
a visão funcionalista não enfoca condições de “conflito social” como ação
necessária à transformação social, mas antes traduz a sociedade como um
organismo vivo que funciona naturalmente segundo a presença identificada de
certas leis, ora aparentemente inertes, ora, de certo modo, dinâmicas.
Mas
ao interpretar a sociedade orgânica, onde um certo tipo de tradição também tem
um papel determinante para seu
funcionamento, Durkheim, apesar de não se ater a isso com a devida atenção,
propõe uma ação importante que deveríamos ter a sensibilidade de notar: “é
inevitável a permanente autoconstrução de uma nova moral social, que antes de
tudo, é o que nos resguarda e nos preserva enquanto humanidade”.
O que Dewey e outros pró-democratas como
Anísio Teixeira queriam desenvolver na escola, para além de uma crítica conceitual, seria
justamente isso: “formar uma nova moral verdadeiramente democrática que
reorientasse a sociedade”. Isso pode ser
traduzido como a transferência ou aperfeiçoamento de uma moral opressiva por
uma moral participativa, e ainda, como Dewey propunha: “não a igualdade entre
os homens, mas a igualdade de oportunidades”.
Então estes da linha democrática, ao criticar o caráter tradicionalista
das ideias de Durkheim e de Parsons, estavam na verdade muito em compasso com
eles ao propor reformas nos costumes sociais.
Também
é interessante uma tentativa de desmistificação, dentro da visão funcionalista,
que não caberia “exclusivamente” ao setor educacional a função equalizadora das
diferenças entre as classes sociais como ensejam alguns libertários. Na verdade, a ação do setor educacional parece
ser muito menor se comparado ao papel do Estado. Este estaria muito mais apto a regular a
equalização das classes sociais por meio de ações consensuais e concretas,
desde que esta seja sua diretriz político-ideológica e que, como sabemos,
dentro do sistema democrático, constitui-se no resultado das preferências
majoritárias da população, ou melhor dizendo: nas predisposições e nas
possibilidades naturais, inclusive as de “conflito”. Ter consciência suficiente e estar capacitado
a entender e escolher o melhor jogo político que lhe convenha, explicaria um
dos mais importantes papéis da escola: “oferecer subsídios para que o cidadão
esteja apto a fazer suas próprias escolhas”.
O cidadão, quando consciente de si e do que o cerca, vê-se capaz de
construir sua própria história e a cultura social em que quer estar inserido. Mas cabe aqui um adendo importante: claro que
o corpo educacional não é neutro em nenhuma sociedade e a ele cabe grandes
responsabilidades.
Não
podemos cometer o erro, muitas vezes preconceituoso, de desconsiderar os
prestimosos efeitos da concepção conflitualista que, no Brasil, começou a
insurgir e se desenvolver com os primeiros anarquistas imigrantes da virada do
século XIX para o XX, e que se desdobrou com uma série de ações sempre presentes
a partir daí, redefinindo as políticas sociais em prol de uma equalização
progressiva das classes sociais, sem as quais não teríamos possibilidade de
mobilidade que historicamente podemos conferir na construção da democracia.
Assim,
pensamos ser imprescindível conciliar a visão funcional ou orgânica da
sociedade, com conscientização e ações de enfrentamento, que vise a equalização
das diferenças sociais dentro de um sistema efetivo de participação
democrática. Se analisarmos detidamente
os movimentos dos últimos governos estatais, não será muito difícil concluir
que é neste sentido que a atual sociedade, já dentro de um consenso legitimado
pela maioria, está construindo sua história.
E
veja-se que, em meio a estas últimas ações governamentais e à nova orientação
da maioria da população possibilitada pelos novos paradigmas de interação
social, estamos, naturalmente, agindo dentro de uma nova moral, melhor e mais
elevada do que antes (como sugeriu Durkheim); de um ambiente progressivamente
democrático (como pelo que militavam A. Teixeira e Dewey); e uma crescente
mobilização nos moldes do enfrentamento direto, sempre que necessário (como
vieram incentivando e esclarecendo os remanescentes libertários).
Citado
num manual de preparação de gestores escolares da cidade de Salvador-BA,
segundo os novos parâmetros descentralizadores do poder central vertical,
conferidos na Constituição de 1988 e na LDB/96, é possível perceber que essa
tendência de uma nova síntese já se opera no setor educacional brasileiro e se efetiva
de maneira ascendente expressas nas mobilizações sociais. Vamos conferir:
Tomando
como base a análise de Bárbara Freitag (1980), podemos dizer que as teorias
sociológicas apontam três caminhos para situar a escola na sociedade e
consequentemente definir sua função social.
1º)
A sociedade é que determina as características da instituição escolar, pela sua
força coercitiva, e a escola serve para socializar os indivíduos, moldando-os
às regras e normas sociais [Durkheim];
2º)
A escola é um instrumento de transformação social e para isso deve tornar-se
uma comunidade democrática exemplar, de modo a propiciar às novas gerações a
vivência do jogo democrático e as condições para atuar na sociedade de forma
transformadora [Dewey];
3º)
A escola é um espaço de mediação de conflitos.
Nela estão presentes os diversos interesses e as diferentes forças
sociais, e é no embate entre as ideias conservadoras e as transformadoras que a
escola educa as novas gerações [neo-marxistas].
(SECULT,
p.84, [s.d.])
Podemos entender com
isso, o quanto a velha ideia da “escola literária antropofágica” está presente
e nos permite construir uma sociedade tão ímpar. Estamos conseguindo um feito surpreendente:
conciliar doutrinas políticas e sociológicas historicamente antagônicas, num
tipo único de democracia. Só um povo
mestiço e de ideias misturadas poderia se unificar com tanto ecletismo.
Prof. Paulo Sergio Teixeira
- o
-
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